O risco de cetoacidose diabética (CAD) em pacientes portadores de diabetes mellitus (DM) que fazem uso dos inibidores do SGLT2 já é bem conhecido e nós costumamos tomar algumas precauções do dia a dia para evitá-la, uma vez que apesar de rara, trata-se de uma complicação potencialmente fatal. No entanto, atualmente, os iSGLT2 são também indicados para tratamento de outras doenças crônicas, no caso insuficiência cardíaca e doença renal crônica, mesmo em pacientes sem DM. Seriam tais pacientes também susceptíveis ao desenvolvimento da CAD?
Recentemente foi publicado na Diabetes Care, o caso de uma senhora de 78 anos admitida no hospital por quadro de confusão mental e vômitos. Os exames laboratoriais revelaram acidose metabólica ( pH 7,19 e bicarbonato 10 mmol/L), com betahidroxibutirato elevado 4 mmol/L.. De modo interessante, a paciente apresentava uma glicemia baixa, de 41 mg/dL. Ela tinha diagnóstico prévio de insuficiência cardíaca, com fração de ejeção reduzida, tendo iniciado empagliflozina 10mg/dia há três dias da admissão. A paciente não tinha histórico de diabetes mellitus , apresentando HbA1c normal , de 4,5%.
O relato descreve que a paciente foi admitida em UTI e conduzida com insulina intravenosa e soro glicosado, resolvendo a cetoacidose após 21 horas. Também foi iniciado tratamento empírico de quadro infeccioso com ceftriaxona. Esse é um dos primeiros casos relatados de cetoacidose induzida por inibidor de SGLT2 em um paciente sem diabetes, provavelmente devido à combinação de disponibilidade reduzida de glicose (dietética e de estoques de glicogênio) e secreção inadequada de insulina.
Dado o uso crescente desta classe de medicamentos em pacientes sem diabetes, todos os médicos devem ser capazes de reconhecer a cetoacidose e aconselhar os pacientes a mitigar o risco. Precipitantes conhecidos para cetoacidose com uso de inibidor de SGLT2 incluem infecção ou jejum para procedimentos. No entanto, o início súbito de doença grave e a falta de precipitante claro neste caso realçam que os fatores de risco para cetoacidose nem sempre são evidentes. Portanto, é importante educar amplamente os pacientes e os médicos e conscientizá-los sobre esse potencial evento adverso. A relação temporal entre início do agente e esta doença pode indicar uma predisposição de alguns pacientes.
Referência:
Annabelle G. Hayes
Lisa M. Raven Alexander Viardot Eugene Kotlyar Jerry R. Greenfield; SGLT2 Inhibitor–Induced Ketoacidosis in a Patient Without Diabetes. Diabetes Care 2023; dc231903