Um quadro de tireotoxicose iniciado durante o puerpério pode apresentar duas etiologias principais: tireoidite pós-parto (TPP) ou Doença de Graves (DG). A primeira possui incidência de 1 a 17% , caracterizando-se por ser uma tireoidite destrutiva com tireotoxicose transitória que ocorre durante os primeiros 12 meses após o parto. O risco é maior naquelas pacientes que apresentam o anticorpo anti-TPO positivo no primeiro trimestre da gestação e naquelas que possuem outras condições autoimunes.
A Doença de Graves, por sua vez, costuma apresentar uma exacerbação dos sintomas no primeiro trimestre da gestação ( por ação do hCG) e durante o puerpério (por elevação dos títulos do TRAb). Sendo assim, pode haver uma recidiva ou ativação da DG no período puerperal. No entanto, a fase tireotóxica da TPP é 20 vezes mais comum que o hipertireoidismo por DG durante o puerpério.
Mas, como diferenciar as duas condições:
Geralmente a fase de hipertireoidismo da TPP aparece nos primeiros meses após o parto, enquanto a DG pode surgir depois de três meses. Devido ao processo destrutivo da TPP, observam-se concentrações mais elevadas de T4 em relação a T3, enquanto na DG, há predomínio de concentrações mais altas de T3 do que de T4. A presença de TRAb também favorece o diagnóstico da DG. A cintilografia da tireoide deve ser evitada, devido à passagem do radioisótopo para o leite materno. Se for imprescindível para o diagnóstico, opta-se por usar 99mTc ou 123I, com meias-vidas menores, orientando-se retirar e desprezar o leite materno durante 1-5 dias, respectivamente, até a retomada da amamentação.
Já discutimos o tratamento do hipertireoidismo pela DG durante a lactação em outra publicação neste site. E com relação ao tratamento da TPP, qual é a abordagem recomendada?
Os betabloqueadores podem ser utilizados durante a fase de tireotoxicose da TPP. A dose de propranolol varia de acordo com os sintomas, podendo-se iniciar com 10 mg, três vezes ao dia. Já o atenolol deve ser evitado, pois é secretado no leite materno, causando bradicardia e hipoglicemia no lactente. O uso de tionamidas não apresenta qualquer benefício na TPP.
Vale lembrar que após a fase de hipertireoidismo, as pacientes com TPP costumam evoluir com uma fase de hipotireoidismo, que pode inclusive necessitar de tratamento com levotiroxina. Por isso, é importante realizar o seguimento da função tireoidiana com TSH e T4L a cada 4-8 semanas.
Referências:
Maganha CA, Mattar R, Mesa Júnior CO, Marui S, Solha ST, Teixeira PF, et al. Rastreio, diagnóstico e manejo do hipertireoidismo na gestação. Número 8 – Agosto 2022
Korevaar TIM, Pearce EN. Thyroid disorders during preconception, pregnancy, and the postpartum period. In: Braverman LE, Cooper DS, Kopp PA, editors. Werner & Ingbar’s the thyroid: a fundamental and clinical text. 11th ed. Philadelphia: Lippincott-Raven; 2021. p. 922-40.