O último consenso da American Thyroid Association (ATA) sobre o tratamento do hipotireoidismo orienta contra a troca de marcas de levotiroxina (LT4) durante a reposição do paciente, inclusive para preparações genéricas. Esta recomendação vai de encontro à orientação do U.S. Food and Drug Administration (FDA) que, ao aprovar uma nova apresentação, genérica ou não, a considera intercambiável entre as demais. Mas, afinal, quem está com a razão? As diferentes apresentações de levotiroxina são intercambiáveis entre si?
O primeiro ponto a ser destacado é a crítica feita pelos autores do citado consenso ao critério utilizado pelo FDA para considerar uma nova apresentação de LT4, seja de marca ou genérica, equivalente às outras já aprovadas: o nível sérico de T4 atingido após uma dose única oral de 600 mcg do hormônio. A ATA, junto com a Endocrine Society e o American Association of Clinical Endocrinology (AACE), entendem que o parâmetro mais correto seria o nível sérico de TSH obtido após 4 a 6 semanas, assim como chamam a atenção para o fato de que a farmacocinética de uma dose suprafisiológica não poderia ser extrapolada para doses menores.
Além disso, a biodisponibiliadade entre as diferentes apresentações de levotiroxina disponíveis no mercado não parece ser a mesma e, até mesmo, a capacidade de absorção entre elas varia. Inclusive, um estudo prospectivo, realizado em uma população pediátrica em 2013 e publicado no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism (JCEM), mostrou que doses similares de LT4 tanto de marca quanto genéricos, todos considerados intercambiáveis pelo FDA, não resultaram em valores comparáveis de TSH.
Desta forma, a ATA recomenda que o ideal seria manter o paciente sempre com a mesma apresentação, seja de marca seja genérica, evitando-se o intercâmbio entre elas. No entanto, como nem sempre isso será possível, devido a fatores econômicos e inerentes ao próprio sistema de saúde, recomenda-se que o TSH seja sempre reavaliado 4 a 6 semanas após ocorrer a troca do produto.
Por outro lado, é preciso enfatizar que esta recomendação tem poucos ensaios clínicos em que se basear. Os estudos que avaliaram a troca entre as diversas apresentações de levotiroxina são pequenos e escassos e a recomendação em evitar a troca vem muito mais de um “senso comum” baseado em experiências pessoais e, especialmente, em relatos de farmacovigilância.
Além disso, tal recomendação acaba limitando a prescrição de LT4 genérico pelos endocrinologistas e, principalmente, a troca de uma apresentação de marca por uma genérica mesmo quando a questão econômica é um fator limitante para o paciente. Será que, no Brasil, no contexto do SUS, a prescrição da apresentação genérica não deveria ser mais estimulada?
Em fevereiro de 2022, um estudo conduzido por Brito JP e colaboradores e patrocinado pelo FDA foi publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) e avaliou se a troca de uma apresentação genérica de LT4 por outra de um fabricante diferente causaria mudanças nos níveis séricos de TSH. Para isso, eles selecionaram 13.049 indivíduos em uso de LT4 genérica que mantiveram a mesma apresentação durante o seguimento e 2.780 indivíduos que trocaram para uma apresentação genérica de outro fabricante. A troca para apresentações de marca não foi avaliada. Ao final do estudo, não houve diferença significativa nos níveis de TSH entre os dois grupos.
O estudo descrito acima mostra que, independente do critério utilizado pelo FDA ser ou não equivocado, pelo menos entre as apresentações genéricas de LT4 disponíveis nos Estados Unidos, não parece haver problema com o intercâmbio entre elas.
No entanto, é preciso ter cuidado com as dúvidas que o estudo não elucida: e em pacientes que utilizam LT4 de marca, a troca para uma apresentação genérica também manteria o TSH inalterado?
Independente da resposta, temos a certeza de que a condução de um estudo como esse no Brasil, onde a dificuldade socioeconômica afeta diretamente o sistema de saúde, especialmente avaliando a troca de apresentações de marca para genéricas, seria fundamental.
Enquanto este estudo não vem, precisamos manter a cautela, sempre tendo o cuidado de reavaliar o TSH quando a troca de apresentações se faz necessária por um motivo ou outro.