Quantas vezes nós já atendemos pacientes portadores de síndrome metabólica (SM) com ou sem doença hepática gordurosa, apresentando elevação da ferritina, e nos perguntamos: posso atribuir a hiperferritinemia à SM? Há necessidade de alguma investigação adicional? Pois bem, um recente consenso publicado na Nature Reviews vem para nos ajudar a responder a essas perguntas.
O aumento da concentração sérica de ferritina é um achado bioquímico comum, com prevalência de 5,9 a 19,0% em indivíduos aparentemente saudáveis, dependendo da etnia. Como a ferritina é a principal proteína responsável pelo armazenamento de ferro no corpo, ela representa um valioso biomarcador do ferro corporal total em condições de sobrecarga de ferro, como a hemocromatose. Por se tratar também de um reagente de fase aguda, os níveis de ferritina são frequentemente aumentados em condições inflamatórias crônicas, como em indivíduos com síndrome metabólica, obesidade e diabetes mellitus tipo 2.
Pacientes com hiperferritinemia relacionada à disfunção metabólica, que aqui denominamos de ‘hiperferritinemia metabólica’ (MHF), apresentam grau variável de reservas de ferro no organismo, que estão parcialmente correlacionadas com os níveis séricos de ferritina. Em indivíduos com MHF, os estoques de ferro no corpo variam de normal a moderada sobrecarga de ferro, geralmente abaixo dos níveis alcançados na hemocromatose. Por outro lado, nem todos os pacientes com síndrome metabólica ou esteatose hepática, apresentam níveis séricos aumentados de ferritina, sugerindo que aqueles com MHF constituem um subconjunto com fatores de risco, fisiopatologia e desfechos clínicos distintos, possivelmente merecendo tratamento específico.
O referido consenso propõe a seguinte definição de hiperferritinemia metabólica:
1. Níveis circulantes de ferritina >300 ng/ml em homens e >200 ng/ml em mulheres
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2. Evidência de esteatose hepática: por biópsia hepática, imagem (incluindo ressonância magnética, ultrassonografia, TC), elastografia transitória ou biomarcadores não invasivos ou escores
OU diabetes mellitus tipo 2 e/ou obesidade
OU duas ou mais características de alteração metabólica associadas à resistência à insulina:
- Sobrepeso ou aumento da circunferência abdominal;
- Hipertrigliceridemia (>150 mg/dl);
- Baixo colesterol HDL (<45 mg/dl em homens e <55 mg/dl em mulheres);
- Hiperglicemia em jejum (>100 mg/dl);
- Hipertensão arterial (>130/85 mmHg ou uso de anti-hipertensivos);
- Evidência de hiperinsulinemia em jejum ou resistência à insulina (HOMA-IR >2,7).
Desde que se exclua :
Hemocromatose, geneticamente confirmada, ou evidência de aumento dos estoques corporais de ferro com saturação de transferrina persistentemente aumentada (>50%) ou outros distúrbios genéticos que afetam o metabolismo do ferro; alta ingestão de álcool ; anemia; transfusão de concentrado de hemácias; terapia de infusão de ferro recente (dentro de 5 anos);doença renal terminal/ diálise.
Devido à evidência de que em pacientes com MHF estável, os níveis séricos de ferritina podem estar associados ao acúmulo de ferro tecidual, pode ser considerada a estimativa não invasiva da concentração de ferro no fígado por ressonância magnética em pacientes com altos níveis séricos de ferritina ( > 550, mas principalmente > 1000 ng/ml).
Quanto ao manejo, o consenso recomenda que seja focado na mudança do estilo de vida e controle de fatores de risco cardiometabólicos (padrão alimentar, ingestão de álcool, ingestão de sal, sedentarismo). O controle farmacológico dos fatores de risco cardiovasculares também deve ser otimizado.