A hipercalcemia da malignidade corresponde à principal complicação metabólica das neoplasias malignas, podendo acometer até 30% dos pacientes com câncer e estando associada a uma maior morbimortalidade. Ocorre mais comumente na presença de tumores sólidos (pulmão, mama, rins) e no mieloma múltiplo.
Em geral, a fisiopatologia da hipercalcemia da malignidade envolve mecanismos humorais, devido à ação do PTHrp (peptídeo relacionado ao PTH), secretado pelos tumores. Em algumas situações, como nos linfomas, é decorrente da produção excessiva de calcitriol pelas células neoplásicas.
Com objetivo de guiar a conduta diante de casos de hipercalcemia da malignidade, a Endocrine Society publicou, no final de 2022, um guideline sobre o tema, com a participação de endocrinologistas e oncologistas.
Inicialmente, os autores classificam a hipercalcemia da malignidade de acordo com os níveis séricos de cálcio (Ca): leve (Ca < 12 mg/dl), moderada (Ca 12 – 14 mg/dl) ou grave (Ca > 14 mg/dl). A sintomatologia vai depender dos níveis séricos de Ca ou da sua velocidade de aumento.
Os casos mais brandos podem ser assintomáticos ou apresentar sintomas mais gerais, como fadiga e constipação. Já quando os níveis séricos de Ca são mais altos ou se elevam rapidamente, outros sintomas podem aparecer, como poilúria, podipsia e insuficiência renal e ocorre aumento das taxas de hospitalização e mortalidade.
Esta classificação é importante, pois a conduta vai depender da gravidade de caso. Em pacientes com hipercalcemia leve, indica-se apenas a hidratação adequada e o cuidado para evitar fatores que possam elevar ainda mais a calcemia. Indivíduos com hipercalcemia moderada, mas assintomáticos, podem ser conduzidos da mesma forma.
Já pacientes com hipercalcemia moderada e sintomáticos ou com aumento agudo dos níveis de cálcio ou com hipercalcemia grave devem ser hospitalizados para hidratação venosa com solução salina isotônica: bolus de 1 a 2 litros, seguido por 200 a 500ml/hora com o objetivo de manter o débito urinário em 100 a 150ml/hora. A hidratação permite a restauração do volume intravascular e aumenta a excreção urinária de cálcio.
O uso da furosemida em associação à hidratação permanece controverso, devido à falta de evidências suficientes para estabelecer seu risco-benefício. Afinal, o diurético de alça pode piorar a depleção de volume e, assim, agravar a hipercalcemia. Portanto, seu uso deve ser reservado apenas para os casos de insuficiência renal ou cardíaca, só devendo ser iniciado após a correção da volemia com a hidratação.
Mas as principais recomendações do novo guideline são relacionadas ao uso de drogas anti-reabsortivas: bisfosfonato IV, denosumabe e calcitonina. As orientações para o uso destas medicações são as seguintes:
- Na hipercalcemia moderada sintomática ou com aumento agudo do cálcio sérico, recomenda-se o uso de bisfosfonato IV ou de denosumabe:
- O ácido zoledrônico na dose de 3 a 4mg seria mais eficiente do que o pamidronato; sua ação se inicia em 48 a 72h e seu efeito persiste por 4 a 6 semanas; no entanto, uma nova dose pode ser repetida após 7 dias na ausência de resposta, seguindo-se com novas doses a cada 3 a 4 semanas.
- Já o denosumabe deve ser administrado em uma dose de 120mg subcutâneo, repetindo-se com 1, 2 e 4 semanas e, então, mensalmente; sua ação se inicia após 3 a 10 dias.
- Sugere-se preferir o denosumabe ao bisfosfonato IV:
- Esta recomendação, no entanto, não se baseia em ensaios clínicos que compararam as duas drogas tendo a hipercalcemia como desfecho primário, já que os mesmos ainda não existem.
- No entanto, alguns estudos apontaram que a incidência de hipercalcemia parece ser menor nos pacientes que fazem denosumabe do que naqueles tratados com ácido zoledrônico.
- Nos pacientes com hipercalcemia grave, sugere-se que a calcitonina seja associada ao denosumabe ou bisfosfonato IV:
- Embora esta recomendação tenha sido baseada em um único estudo retrospectivo, o racional do uso da calcitonina nestes casos mais graves consiste no fato do seu mais rápido início de ação, de 4 a 6h. No entanto, os autores reforçam que o uso da droga deve ser limitado a 48 a 72h devido à taquifilaxia.
- Nos casos de hipercalcemia refratária ao uso de bisfosfonato IV, recomenda-se o uso de denosumabe:
- Esta recomendação é baseada em alguns estudos que mostraram resolução da hipercalcemia e redução da mortalidade após a troca para denosumabe. Vale ressaltar, a ausência de evidência para orientar a troca para bisfosfonato IV nos casos de hipercalcemia refratária em uso de denosumabe. Mas os autores reforçam que mais estudos sobre este tema são necessários.
- Nos pacientes com tumores produtores de calcitriol (linfomas) que já estão em corticoterapia mas que se mantêm com hipercalcemia grave ou sintomática, sugere-se a associação com bisfosfonato IV ou denosumabe:
- Embora a terapia inicial nestes casos seja com glicocorticoide (hidrocortisona IV ou prednisona), já que esta droga inibe a ação a enzima 1-alfa-hidroxilase, muitos pacientes serão refratários. Os autores, entretanto, lembram que o risco de osteonecrose de mandíbula e de fratura atípica com bisfosfonato IV ou denosumabe aumenta em vigência de altas doses de glicocorticoide.
Infelizmente, a maior parte das recomendações descritas acima ainda carece de melhores evidências e podem ser questionadas ou modificadas futuramente, à medida que novo