Níveis elevados de lipoproteína (a) [Lp(a)] são associados a aumento do risco cardiovascular e sua persistência, mesmo após o controle do LDL-colesterol, funciona como um bem reconhecido fator de risco residual. Mas, infelizmente, embora algumas drogas (inibidor de PCSK9, niacina e anacetrapibe) causem redução dos níveis de Lp(a), não temos ainda um tratamento medicamentoso que leve à redução do risco cardiovascular através da queda dos níveis de Lp(a). Talvez, o lepodisiran mude esta perspectiva num futuro próximo.
A lipoproteína (a) é sintetizada principalmente pelo fígado e o aumento da sua produção é determinada geneticamente, não sofrendo influência de fatores ambientais. Para que ocorra a sua síntese, é preciso que uma molécula de apolipoproeteína (a) se ligue a uma molécula de LDL-colesterol. É no impedimento da produção da apolipoproeteína (a) que se baseia o mecanismo de ação do lepodisiran.
Esta droga é um small interfering RNA que tem como efeito impedir a síntese do RNA mensageiro que levaria à produção celular de apolipoproeteína (a), através do silenciamento do seu gene. Sem esta última, não teria como ocorrer a síntese posterior de Lp(a).
Agora, em novembro de 2023, foi publicado no JAMA o primeiro estudo clínico, ainda de fase 1, com o lepodisiran. Os principais objetivos do estudo foram avaliar o efeito da droga sobre as concentrações sérica de Lp(a) e a sua segurança e tolerabilidade.
Para isto, foram incluídos 48 adultos, com idade média de 46,8 anos, sem doença cardiovascular, mas com níveis séricos de lipoproteína (a) 75nmol/L, selecionados em 5 centros de pesquisa nos Estados Unidos e em Singapura. Pacientes com fatores de risco cardiovascular significativos, como taxa de filtração glomerular < 60 ml/min e tabagismo, foram excluídos.
Os 48 participantes foram randomizados em 7 grupos: 1 grupo recebeu placebo e os outros 6 receberam doses diferentes do lepodisiran (4, 12, 32, 96, 304 e 608 mg). As aplicações foram subcutâneas e de dose única. Os pacientes foram seguidos por 48 semanas e os desfechos primários e secundários foram, respectivamente, a segurança/tolerabilidade e a redução dos níveis de Lp(a).
A droga foi bem tolerada e o efeito adverso mais comum foi a reação no local de aplicação. Enquanto a redução da concentração de lipoproteína (a) foi de apenas 5% no grupo placebo, esta redução variou de 41% com a menor dose de lepodisiran (4mg) até 97% com a maior dose (608mg).
É muito importante enfatizar que, sendo um estudo de fase 1, ele não avaliou o efeito desta impressionante redução da Lp(a) sobre o risco cardiovascular. Para isso, é preciso ainda que a droga passe pelas próximas etapas de pesquisa. O estudo de fase 2 é o próximo passo.
Além disso, é bom lembrar que há uma outra droga mais perto de se tornar uma realidade: o olpasiran. Com um mecanismo de ação similar ao lepodisiran, ela já teve seu estudo de fase 2 publicado no New England Journal of Medicine há cerca de 1 ano. E demonstrou, já em pacientes com doença cardiovascular, uma redução de mais de 97% nos níveis de Lp(a), embora não tenhamos ainda resultados em relação ao efeito no risco cardiovascular.
Portanto, independente da droga, precisamos ainda aguardar para saber se, finalmente, teremos na prática clínica uma medicação capaz de eliminar o risco residual promovido pelo excesso de lipoproteína (a).