Na avaliação da segurança cardiovascular da terapia de reposição com testosterona, estudos de coorte retrospectivos tem alcançado resultados conflitantes, com alguns mostrando aumento e outros diminuição do risco cardiovascular. Pequenos ensaios randomizados da mesma forma não mostraram associação consistente do tratamento com testosterona com risco cardiovascular, embora nenhum tenha sido projetado para avaliar desfechos cardiovasculares, sendo subdimensionados e de curta duração. Alterações do perfil lipídico e elevação do hematócrito já foram mecanismos postulados para justificar um maior risco, porém alterações semelhantes observadas com outros agentes (iSGLT2 também aumentam hematócrito, por exemplo) trazem ainda mais dúvidas acerca do tema.
No TOM trial, publicado em 2010 no New England Journal of Medicine, avaliando 209 homens com 65 anos ou mais (média de 74 anos), foi demonstrado que o grupo que fez uso de testosterona em gel, quando comprado ao grupo placebo, teve aumento do risco de eventos adversos cardiovasculares, levando a interrupção prematura do estudo após apenas 6 meses. O FDA americano determinou, em 2014, que os produtos à base de testosterona colocassem em bula um alerta sobre possível aumento do risco cardiovascular. No guideline da Endocrine Society é orientado cautela no início da reposição em homens idosos e sugere-se evitar a prescrição nos primeiros meses após um evento cardiovascular.
Em sentido contrário a essas publicações, recente metanálise, publicada em 2022 no The Lancet Healthy Longevity, concluiu que a reposição em homens hipogonádicos não aumenta o risco cardiovascular. A maioria dos estudos analisados tinha limitações técnicas, com acompanhamento curto, limitando a confiabilidade dos resultados.
Nesse cenário, a comunidade científica recebeu os resultados do aguardado TRAVERSE trial, publicado nesta última semana no NEJM. Trata-se de um estudo de não inferioridade multicêntrico, incluindo 5.246 homens de 45 a 80 anos de idade com doença cardiovascular preexistente ou de alto risco cardiovascular. Todos relataram sintomas de hipogonadismo e tiveram duas dosagens de testosterona inferiores a 300 ng/dl. Os pacientes foram randomizados para receber testosterona por via transdérmica, sendo a dose ajustada para manter os níveis de testosterona entre 350 e 750 ng/dl) ou gel placebo. O desfecho primário de segurança cardiovascular foi o 3P-MACE (morte cardiovascular, IAM ou AVC não fatais).
A duração média do tratamento foi de 21,7 meses, com seguimento médio de 33 meses. Um evento de desfecho cardiovascular primário ocorreu em 182 pacientes (7,0%) no grupo testosterona contra em 190 pacientes (7,3%) no grupo placebo, alcançando a não inferioridade (Razão de risco, 0,96; IC 95%, 0,78 a 1,17; P <0,001 para não inferioridade). As análises dos desfechos secundários e de subgrupos pré-especificados também não diferiram entre os tratamentos. Entre os eventos adversos, foi observada maior incidência de fibrilação atrial, lesão renal aguda e embolia pulmonar no grupo testosterona.
O estudo tem uma série de pontos importantes. A idade média dos participantes foi de 63,3 anos, sendo que quase metade dos pacientes incluídos tinham 65 anos de idade ou mais, e mais da metade (54,2%) tinha doença cardiovascular preexistente. Ocorreram 372 eventos cardiovasculares ao longo do estudo, número superior a soma de todos os estudos randomizados anteriores combinados. Nessa população de alto risco, o achado de não inferioridade em relação aos desfechos cardiovasculares é reconfortante.
O estudo ainda abordou outros desfechos como a melhora a função sexual, a segurança em relação a sintomas urológicos e relacionados a próstata, diabetes e anemia, além da polêmica acerca de saúde óssea (spoiler alert – foi encontrado aumento na incidência de fraturas!!), entretanto esses dados ainda não foram publicados, apenas apresentados no congresso da Endocrine Society. Aguardamos mais novidades!!