Nos últimos anos, o conhecimento progressivo sobre peptídeos do sistema digestivo tem revolucionado o tratamento do diabetes e da obesidade. O sistema incretínico, com estudos iniciais direcionados ao papel do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1), está envolvido na secreção de insulina e nos mecanismos de saciedade relacionado a alimentação. Os análogos do GLP-1 trouxeram benefícios cardiovasculares, contribuindo para uma abordagem além do controle glicêmico. Estava aberto o caminho para o sistema incretínico assumir papel central no tratamento da obesidade e do diabetes.
Embora eficaz no controle da hiperglicemia, o direcionamento seletivo para o receptor GLP-1 tem eficácia limitada no tratamento da obesidade, com efeitos gastrointestinais dependentes da dose que restringem a eficácia na redução ponderal às doses mais altas. O desenvolvimento de moléculas com agonismos duplos e até triplos ao sistema incretínico surge apresentando resultados impressionantes, acompanhados com entusiasmo pela comunidade científica. O agente mais avançado e referenciado é o Tirzepatide, co-agonista GIP e GLP-1 que, em junho de 2022, recebeu aprovação regulatória para o tratamento do diabetes tipo 2 pelo FDA americano. No estudo SURPASS-2, o agente demonstrou a maior potência até então na redução de HbA1c (até -2,3%) e de peso corporal (até -11,2 kg). No estudo SURMOUNT, a tirzepatida diminuiu o peso corporal médio em uma média de 22%, com efeitos adversos semelhantes aos das drogas monoagonistas, se tornando o agente mais potente no tratamento da obesidade.
E tem mais novidades chegando. Estudo de fase 1b publicado no The Lancet apresentou os resultados do Mazdutide, agonista duplo de GLP1 e glucagon, em pacientes obesos não diabéticos. Em 12 semanas o agente levou a redução significativa de peso corporal em relação ao placebo (-9,5% vs -3,3%, −0,9; P = 0,024). Ainda mais esperados, os resultados do agonista triplo (GLP1, GIP e Glucagon) Retatrutida foram apresentados em outro estudo fase 1b no mesmo The Lancet. Em um grupo de pacientes diabéticos e tendo a dulaglutida 1,5mg como comparador, o agente levou a redução expressiva de peso corporal (até –8,96 kg) e da HbA1c (até –1,2%), em apenas 12 semanas de seguimento. A Retratutida diminuiu a pressão arterial sistólica e diastólica de forma dependente da dose em até 12 e 2 mmHg, respectivamente, enquanto a frequência cardíaca média aumentou até +10 bpm nas últimas 4 semanas de tratamento.
A racionalidade terapêutica do emprego do glucagon baseia-se em sua ação catabólica, estimulando lipólise e acelerando a taxa metabólica, além da inibição do apetite. O possível efeito hiperglicemiante seria superado pelo adequado balanço dos efeitos do agonismo GLP1 e GIP. A segurança cardiovascular em relação a essa estratégia é de suma importância, pois os efeitos cronotrópicos e inotrópicos do glucagon no coração constituem um risco. Aguardemos os estudos de mais longo prazo antes de ajustar o pódio das medicações mais eficientes no tratamento do binômio obesidade/diabetes.